Como pôde o mundo odiar Aquele que passou fazendo o bem?
A gravura que vemos nesta página reproduz uma tela de Lucas Cranach, o Velho ( Século XVI ), conservada no Museu de Gand: "A coroação de espinhos".
A gravura que vemos nesta página reproduz uma tela de Lucas Cranach, o Velho ( Século XVI ), conservada no Museu de Gand: "A coroação de espinhos".
Em torno do Divino Redentor, manietado e revestido de uma púrpura de irrisão, agrupam-se cinco figuras. No primeiro plano, um homem Lhe estende uma vara à guisa de cetro e, ao mesmo tempo, num cumprimento caricato, suspende o gorro e mostra-Lhe a língua.
Ao lado, outro alarga a boca em atitude de escárnio. Os demais, ao fundo, se empenham em enfiar na cabeça adorável do Salvador, à guisa de coroa, como que um imenso chapéu de espinhos.
No centro o Filho de Deus, dando mostras de dor física, mas sobretudo de intenso sofrimento moral, que supera o tormento corpóreo, e absorve inteiramente a Vítima divina. Dir-se-ia que Nosso Senhor sofre com o rancor destes miseráveis verdugos, mas que esse ódio não é senão a orla de um imenso oceano de rancor que se estende para além, até as fímbrias do horizonte. E é por esse oceano que o olhar de Jesus se alonga em dolorosa meditação.
O quadro de Lucas Cranach focaliza um aspecto importantíssimo da Paixão: o contraste entre a santidade infinita e o amor inefável do Redentor, a baixeza insondável e o implacável ódio dos que O supliciaram e mataram. Nele se patenteia a oposição irredutível entre a Luz – "erat lux vera" (Jo 1, 9) – e os filhos das trevas, entre a Verdade e o erro, a Ordem e a desordem, o Bem e o mal.
"Popule meus, quid feci tibi? Aut in quo contristavi te?" - "Ó meu povo, que mal te fiz Eu, ou no que te contristei?" - Estas palavras, que a liturgia da Sexta-Feira Santa põe nos lábios de Nosso Senhor, estão bem no centro do tema que acabamos de enunciar.
Que um homem odeie quem lhe faz mal pode ser censurável, porém não é incompreensível. Mas como pode um homem odiar quem é bom, quem lhe faz bem?
Este problema é quase tão velho como a humanidade. Por que Caim odiou Abel? Por que os judeus perseguiram e não raro mataram os profetas? Por que os romanos perseguiram os cristãos?
Mais recentemente, porque foi difundido pelos protestantes tanto sangue de mártires, porque fez o mesmo a Revolução Francesa, ou a Revolução bolchevista na Rússia? Em nossos dias, como explicar o ódio dos comunistas na guerra civil espanhola, nas perseguições do México, da Hungria e da Iugoslávia? A terra ainda chora a morte do Cardeal Stepinac. Pergunta-se: porque foi ele tão odiado? [Meditação feita no ano 1960]
Bem sabemos que, formuladas assim, tais perguntas parecerão a muitos um tanto simplistas. O ódio dos inimigos da Igreja nem sempre foi gratuito. Não faltaram, por vezes, também da parte dos católicos, provocações e excessos que geraram reações. De outro lado, houve, em certo número de casos, equívocos, mal-entendidos e incompreensões que deram lugar a violências. Houve então mártires, não porque a Igreja fosse devidamente conhecida e sem embargo odiada como tal, mas precisamente porque ela era desconhecida ou desfigurada indevidamente.
Não negamos nada disto. Mas reduzir a estas causas o ódio das trevas contra a Luz, do mal contra o Bem, isto sim é singularmente simplificar o problema.
É o que na Paixão se evidencia com clareza meridiana.
O quadro de Lucas Cranach focaliza um aspecto importantíssimo da Paixão: o contraste entre a santidade infinita e o amor inefável do Redentor, a baixeza insondável e o implacável ódio dos que O supliciaram e mataram. Nele se patenteia a oposição irredutível entre a Luz – "erat lux vera" (Jo 1, 9) – e os filhos das trevas, entre a Verdade e o erro, a Ordem e a desordem, o Bem e o mal.
"Popule meus, quid feci tibi? Aut in quo contristavi te?" - "Ó meu povo, que mal te fiz Eu, ou no que te contristei?" - Estas palavras, que a liturgia da Sexta-Feira Santa põe nos lábios de Nosso Senhor, estão bem no centro do tema que acabamos de enunciar.
Que um homem odeie quem lhe faz mal pode ser censurável, porém não é incompreensível. Mas como pode um homem odiar quem é bom, quem lhe faz bem?
Este problema é quase tão velho como a humanidade. Por que Caim odiou Abel? Por que os judeus perseguiram e não raro mataram os profetas? Por que os romanos perseguiram os cristãos?
Mais recentemente, porque foi difundido pelos protestantes tanto sangue de mártires, porque fez o mesmo a Revolução Francesa, ou a Revolução bolchevista na Rússia? Em nossos dias, como explicar o ódio dos comunistas na guerra civil espanhola, nas perseguições do México, da Hungria e da Iugoslávia? A terra ainda chora a morte do Cardeal Stepinac. Pergunta-se: porque foi ele tão odiado? [Meditação feita no ano 1960]
Bem sabemos que, formuladas assim, tais perguntas parecerão a muitos um tanto simplistas. O ódio dos inimigos da Igreja nem sempre foi gratuito. Não faltaram, por vezes, também da parte dos católicos, provocações e excessos que geraram reações. De outro lado, houve, em certo número de casos, equívocos, mal-entendidos e incompreensões que deram lugar a violências. Houve então mártires, não porque a Igreja fosse devidamente conhecida e sem embargo odiada como tal, mas precisamente porque ela era desconhecida ou desfigurada indevidamente.
Não negamos nada disto. Mas reduzir a estas causas o ódio das trevas contra a Luz, do mal contra o Bem, isto sim é singularmente simplificar o problema.
É o que na Paixão se evidencia com clareza meridiana.
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Notemos preliminarmente que, se os católicos podem ter falhas, Nosso Senhor não as teve. Quer quanto ao fundo e à forma de sua pregação, quer quanto ao tato e à oportunidade com que ensinava, quer ainda quanto ao caráter edificante de seus exemplos, ao valor apologético de seus milagres, e ao aspecto santíssimo e empolgante de sua Pessoa, não podia haver dúvida. Ele não deu pretexto a nenhuma objeção legítima, a nenhuma queixa sólida.
Pelo contrário, só deu ocasiões a que O adorassem e O seguissem. Entretanto, também Ele foi odiado, mais odiado até do que seus fiéis ao longo dos séculos. Como explicar isto? É que nos filhos das trevas há um ódio que se volta precisamente contra a Verdade e o Bem.
É pois inútil querer atribuir tudo a um mero jogo de equívocos. Estes têm existido. Mas não resolvem o problema.
Pelo contrário, só deu ocasiões a que O adorassem e O seguissem. Entretanto, também Ele foi odiado, mais odiado até do que seus fiéis ao longo dos séculos. Como explicar isto? É que nos filhos das trevas há um ódio que se volta precisamente contra a Verdade e o Bem.
É pois inútil querer atribuir tudo a um mero jogo de equívocos. Estes têm existido. Mas não resolvem o problema.
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Dirá talvez alguém que este ódio é bem simples de explicar. A Lei de Deus é austera. Quem não quer sujeitar-se aos sacrifícios inerentes à observância dela, desobedece e facilmente se revolta. A revolta por sua vez gera o ódio, especialmente o ódio contra a Verdade e o Bem. E está tudo explicado.
Não negamos que, na generalidade dos casos, esteja aí a raiz do ódio contra Deus. Mas para bem compreender o problema, é necessário não correr.
Todo pecado é uma ofensa a Deus. Mas há pecadores que conservam alguma tristeza do mal que praticam e certa admiração pelo bem que não fazem. Por isto, lamentam a vida que levam, aconselham outros a não lhes seguir o exemplo, e prestam honra aos que procedem bem. Desta atitude humilde provém, muitas vezes, que Nosso Senhor lhes concede grandes graças e eles voltam ao caminho da salvação.
Se só houvesse em Israel destes pecadores, não creio que Jesus tivesse sido perseguido, e ainda menos crucificado. Se desses fosse Caim, não teria matado Abel. Se todos os pecadores da História tivessem sido como esses, não teria ela registrado as horríveis perseguições de que há pouco falamos.
Como são, então, os pecadores que constituem as almas danadas das perseguições movidas à Igreja? Aqui está o problema.
Não negamos que, na generalidade dos casos, esteja aí a raiz do ódio contra Deus. Mas para bem compreender o problema, é necessário não correr.
Todo pecado é uma ofensa a Deus. Mas há pecadores que conservam alguma tristeza do mal que praticam e certa admiração pelo bem que não fazem. Por isto, lamentam a vida que levam, aconselham outros a não lhes seguir o exemplo, e prestam honra aos que procedem bem. Desta atitude humilde provém, muitas vezes, que Nosso Senhor lhes concede grandes graças e eles voltam ao caminho da salvação.
Se só houvesse em Israel destes pecadores, não creio que Jesus tivesse sido perseguido, e ainda menos crucificado. Se desses fosse Caim, não teria matado Abel. Se todos os pecadores da História tivessem sido como esses, não teria ela registrado as horríveis perseguições de que há pouco falamos.
Como são, então, os pecadores que constituem as almas danadas das perseguições movidas à Igreja? Aqui está o problema.
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O pecador entristecido e envergonhado de que tratamos não pode ser propriamente chamado um ímpio. Ele resvalará para a impiedade se de tal maneira se embotar no pecado, que venha a perder a tristeza de praticá-lo e a admiração pelos que exercem a virtude. Nascerá então daí uma impiedade de primeiro grau, por assim dizer, que redundará em indiferença pela Religião e pela moral. Ao ímpio deste gênero, só seus interesses pessoais importam. Tanto se lhe dá de viver em ambiente bom ou mau: desde que ganhe dinheiro e faça carreira, ou se divirta, qualquer coisa lhe serve.
Evidentemente, esta impiedade é muito censurável. Foram réus dela todos os que em Jerusalém assistiram a Paixão como meros curiosos. E os que através da História, até hoje, se julgam no direito de presenciar a luta entre os filhos da luz e os filhos das trevas, sem tomar partido, como uma egoística "terceira força". Mas, ainda uma vez, gente desta, só por si, não teria praticado o deicídio.
Evidentemente, esta impiedade é muito censurável. Foram réus dela todos os que em Jerusalém assistiram a Paixão como meros curiosos. E os que através da História, até hoje, se julgam no direito de presenciar a luta entre os filhos da luz e os filhos das trevas, sem tomar partido, como uma egoística "terceira força". Mas, ainda uma vez, gente desta, só por si, não teria praticado o deicídio.
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Mas há almas que vão mais longe. Movidas pela sensualidade, pelo orgulho, por outro vício qualquer, levam a malícia tão longe, de tal maneira se identificam com o pecado, que chegam a só se sentir bem onde se lisonjeiam seus maus hábitos, e a não suportar nada que constitua censura ou até mero desacordo em relação a eles. Daí um ódio aos bons e ao Bem, aos paladinos da verdade e à mesma Verdade, que lhes dá como que um ideal negativo. Voltaire o exprimiu muito bem em seu lema "écraser l'infâme" ( esmagar o "infame", isto é, ao Verbo Encarnado! ). Fazer disto um anelo de todos os momentos, o "ideal" de uma vida, eis o que é a quintessência da impiedade. Gente assim tem todos os requisitos para planejar, urdir e executar a perseguição. Se em Israel não houvesse gente assim, Nosso Senhor não teria sido crucificado.
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Deus não nega sua graça a ninguém. Ímpios destes também podem converter-se, e de todo o coração. Contudo, cumpre acrescentar que, enquanto não o fazem, já têm nesta terra a mais importante característica dos condenados ao inferno.
Realmente, pensa-se em geral que os precitos, se pudessem, fugiriam todos para o Céu. Não é verdade. Eles têm tanto ódio a Deus que, ainda que pudessem livrar-se do fogo eterno no qual estão presos, não o fariam se tivessem para isto que prestar a Deus ato de amor e obediência.
É tal a força deste ódio. E é à luz disto que se compreende bem o que chamaríamos de ímpio de segundo grau.
Foi esta impiedade requintada a força motriz que animou a Sinagoga na revolta contra o Messias. Foi ela que moveu a luta dos ímpios contra a Igreja, contra os bons católicos, no decurso dos séculos.
Realmente, pensa-se em geral que os precitos, se pudessem, fugiriam todos para o Céu. Não é verdade. Eles têm tanto ódio a Deus que, ainda que pudessem livrar-se do fogo eterno no qual estão presos, não o fariam se tivessem para isto que prestar a Deus ato de amor e obediência.
É tal a força deste ódio. E é à luz disto que se compreende bem o que chamaríamos de ímpio de segundo grau.
Foi esta impiedade requintada a força motriz que animou a Sinagoga na revolta contra o Messias. Foi ela que moveu a luta dos ímpios contra a Igreja, contra os bons católicos, no decurso dos séculos.
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Filhos das trevas... esses são os ímpios. Príncipe das trevas, este é Satanás. Que relação existe entre uns e outros? Judas era um filho das trevas. Diz-nos o Evangelho que o demônio entrou nele ( cfr. Lc 22, 3 ). Sabemos pela Fé que "andam pelo mundo para perder as almas" espíritos malignos. Quando o demônio consegue realizar em uma alma sua obra completa, leva-a a este estado de impiedade. Reciprocamente, uma alma assim é campo aberto para as tentações do demônio. É fácil ver, pois, que tais ímpios são os melhores auxiliares do inferno na luta contra a Igreja.
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Senhor, nesta hora de misericórdia em que consideramos vosso Corpo sacrossanto a verter por todos os lados vosso Sangue redentor, pedimos-Vos, pelos méritos infinitos desse mesmo Sangue preciosíssimo e pelas lágrimas de vossa e nossa Mãe, nos mantenhais muito e muito longe de qualquer impiedade: "não permitais que nos separemos de Vós", de todo o coração Vo-lo imploramos.
Por toda parte onde ímpios perseguem filhos da luz, e muito especialmente na Igreja do Silêncio, sede a força dos perseguidos, não só para que não desfaleçam, como para que se levantem, se articulem, e esmaguem vosso adversário. Pelo Imaculado Coração de Maria Vo-lo rogamos.
E já que à última hora ainda prometestes o Paraíso a um celerado, Senhor, pelos méritos de vossa agonia Vos suplicamos, em união com Maria, que vossa misericórdia desça até os antros ocultos da impiedade, a fim de convidar para as vias da virtude até vossos piores adversários.
E ainda por misericórdia, Senhor, confundi, humilhai e reduzi à inteira impotência os que, recusando os mais extremos apelos de vosso amor, persistem em trabalhar para destruir a civilização cristã e até – como se possível fosse – vossa Esposa mística, a Santa Igreja.
Por toda parte onde ímpios perseguem filhos da luz, e muito especialmente na Igreja do Silêncio, sede a força dos perseguidos, não só para que não desfaleçam, como para que se levantem, se articulem, e esmaguem vosso adversário. Pelo Imaculado Coração de Maria Vo-lo rogamos.
E já que à última hora ainda prometestes o Paraíso a um celerado, Senhor, pelos méritos de vossa agonia Vos suplicamos, em união com Maria, que vossa misericórdia desça até os antros ocultos da impiedade, a fim de convidar para as vias da virtude até vossos piores adversários.
E ainda por misericórdia, Senhor, confundi, humilhai e reduzi à inteira impotência os que, recusando os mais extremos apelos de vosso amor, persistem em trabalhar para destruir a civilização cristã e até – como se possível fosse – vossa Esposa mística, a Santa Igreja.
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