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terça-feira, 10 de junho de 2008

São Paulo festeja ao Beato Padre Anchieta, SJ

Nascimento e infancia de um grande santo
Corria o ano de 1540. Depois de quase cinqüenta anos das grandes viagens de portugueses e espanhóis, se começava a aceitar o fato de que a Terra era redonda. José de Anchieta vivia numa das sete ilhas que formam as Canárias, de onde via descortinar-se a seus olhos um novo mundo. O porto de Tenerife, o mais importante do arquipélago, era parada obrigatória dos navios portugueses. Ali se abasteciam para seguir viagem rumo ao Oriente e ao Novo Mundo.
Acostumado desde pequeno a contemplar embarcações que se lançavam à aventura de conquistar novos mares, terras e riquezas, José provavelmente já acalentava o sonho de viagens e novos conhecimentos. Quem sabe esse impulso para o descobrimento de outras paragens e culturas o tenha levado também a escolher a carreira sacerdotal, a fim de cumprir o seu destino de construir um mundo novo para Deus.

As Origens
"José foi enviado aos 14 anos, com outro irmão de maior idade, à celebérrima Universidade de Coimbra, que então florescia no mundo, para que ali aperfeiçoasse a língua latina e atendesse a maiores ciências. Estas versou nas escolas dos padres da Companhia de Jesus e cresceu nelas de maneira que em breve tempo foi consumado em todo gênero de humanidades..." (Trecho de A Vida do Venerável Padre José de Anchieta de Simão de Vasconcellos,S.J. -1623).
A própria ascendência de Anchieta já parecia destiná-lo a um futuro de grandes realizações. Nascido em São Cristóvão da Laguna, na Ilha de Tenerife, teve como pai João Lopes de Anchieta, da província de Guipuscoa. A mãe de Anchieta, Mência Dias de Clavijo y Llarena, natural das próprias Canárias, era neta de conquistadores.

Voto de castidade
Ao fazer voto de castidade diante do Altar de Nossa Senhora, na Catedral de Coimbra, Anchieta tinha 17 anos. O mundo vivia uma fase de revelações assustadoras. Alguns cientistas mais avançados, entre eles o polonês Nicolau Copérnico, provaram que a Terra girava em torno do Sol, e não o contrário. Surgiam as literaturas nacionais, e o Renascimento marcava uma grande mudança nas mentalidades católicas de otrora.
A influência que a Igreja Católica tinha passou a ser desafiada. Em vários países surgiram herejias e movimentos que pediam a reforma da fé cristã. O protestantismo - representado em especial pelas fortes correntes do luteranismo e do calvinismo - rompeu com o Papa e com a Igreja.

A Companhia de Jesus
Surgia dentro do catolicismo um movimento inspirado pelo Espiritu Santo para resistir aos erros dos protestantes, que deu origem à fundação da Companhia de Jesus, tendo a sua frente o nobre Inácio de Loiola.
Os jesuítas estabeleceram sólida base em Portugal, de onde partiram para o Novo Mundo com as graças do rei Dom João III. O objetivo era catequizar os habitantes das terras recém-descobertas. No mesmo ano em que Anchieta entrou para a Companhia de Jesus, Manoel da Nóbrega, seu futuro companheiro no Novo Mundo, chegava ao Brasil.
A recém-fundada Companhia surgira sob um novo signo. A era das navegações tinha revelado à velha civilização européia praticamente outro planeta a ser explorado. Nações antes voltadas apenas para o Velho Mundo se convenceram de que teriam de expandir sua influência além de seus limites.
"... A vista primeira junto ao mar em grande parte pela natureza de altíssimos montes todos alegres, enfeitados e verdes, que quase excedem o vôo das mais ligeiras aves, os pirineus, os Alpes, os olimpos tão afamados da Europa, não tem que ver com estes grandes montes. Arrebatavam os olhos dos navegantes, que correm a costa, não só sua altura imensa, mas suas formas admiráveis, a frescura do arvoredo e o quebrar de suas águas que vem correndo do mar..." (Trecho do livro A Vida do Venerável Padre José de Anchieta de Simão de Vasconcellos, S.J. - 1623).

Anchieta no Brasil
Era dia 13 de julho de 1553, quando Anchieta chegou ao Brasil, o "paraíso terrestre", como descreviam os historiadores contemporâneos do padre. A Terra de Santa Cruz podia ser considerada um sanatório onde aportavam doentes com tuberculose, varíola e outras doenças contagiosas. Anchieta tinha 19 anos, era o mais jovem dos jesuítas na esquadra do Governador Duarte da Costa. A saúde do noviço melhorava sensivelmente. Quando desceu em Salvador estava praticamente curado. José de Anchieta, e todos os jesuítas que vieram evangelizar o Novo Mundo, estavam dispostos a dar sua propia vida pela conversão e salvação dos índios pagãos que encontraram.
O Papa Paulo III havia publicado, em 1537, a bula Sublimis Deus, onde ensinaba que todas as raças eram iguais em face da redenção. O irmão José de Anchieta acabou se tornando o elo de aproximação definitiva entre os índios e os padres. Conseguiu unificar a língua falada pelos nativos, com a qual apresentou a doutrina cristã.

De Salvador a São Vicente
O jovem Anchieta, então com vinte anos, já tinha destino certo: a Capitania de São Vicente. Lá iria ajudar o padre Manuel da Nóbrega na catequização dos nativos. A viagem de Salvador a São Vicente foi, porém, extremamente difícil. Na altura de Abrolhos, no sul da Bahia, as duas naus em que viajavam Anchieta e outros jesuítas foram surpreendidas por uma tempestade. Uma delas, arremessada pelas ondas contra os rochedos, espatifou-se. Milagrosamente, ninguém morreu. A outra, em que estava Anchieta, acabou presa nos recifes. Seus ocupantes viveram uma noite de terror com a força das ondas, que o tempo todo ameaçavam destruir a nau. No dia seguinte, o mar amanheceu calmo e eles conseguiram chegar à terra. Ao procurar comida, tiveram um encontro com os índios do lugar. Na aldeia, Anchieta viu uma indiazinha muito doente, à beira da morte. Batizou-a Cecília. Depois de consertado o barco, veio a hora da partida. Anchieta seguiu contente, pensando: "O acidente com o barco foi obra da Providência Divina. Era o meio de salvar a inocente Cecília, que estava predestinada."

A Língua tupi e a evangelização
"...Era destro em quatro línguas: portuguesa, castelhana, latina e brasílica, e em todas elas traduziu em romances pios, com muita graça e delicadeza, as cantigas profanas que então andavam em uso..." (Trecho do livro Chronica da Companhia de Jesus do estado do Brasilde Simão de Vasconcellos, S.J. - 1663).
"Oú tubixá katú mamó suí nde reká, nde pópe imeengatú. Aroporaséi serúxe abé, xe anametá." Tradução: "Veio cacique valente de longe a te procurar e às tuas mãos se entregar. Também trago meu parente para comigo dançar".
Decifrar o tupi foi uma das tarefas que Nóbrega confiou a Anchieta. Em seis meses ele completou o aprendizado e, em um ano, dominava a língua. Dois anos depois de ter chegado ao Brasil, escreveu a sua Arte de Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil, publicada em Portugal somente em 1595. O repouso não chegava à noite para ele. Era nessa hora que escrevia manuais para os alunos, cartas sobre o trabalho dos jesuítas e obras diversas, entre elas um dicionário de tupi e um tratado sobre a flora, a fauna e o clima da Capitania de São Vicente.

O Planalto de Piratininga
No colégio de Piratininga a atividade era intensa. Muito mais do que um centro de aprendizado para portugueses e índios, esse colégio significava o início de uma estrutura independente para os jesuítas, que aqui podiam formar novos padres sem precisar mandá-los a Coimbra. Era o primeiro posto avançado da Companhia de Jesus em terras indígenas, distante das vilas portuguesas do litoral. A insistência dos jesuítas em não limitar suas explorações do território à faixa litorânea deu a eles um conhecimento mais amplo das possibilidades da terra. E Anchieta foi enviado ao Planalto de Piratininga para desbravar os novos campos. Dessa experiência ele dizia: " é um caminho mui áspero, creio que o pior que há em muita parte do mundo, de atoleiros, subidas e matos."
"...Tratava-se de uma trilha que pouco diferia das trilhas dos nativos. Os nativos, como nós sabemos, caminhavam pela Serra do Mar em trilhas que pouco davam para passar um homem...
...O caminho foi alargado, melhorado e foram encontrados, então, diversos indícios que mostram que ali houve uma estrada muito utilizada, muito batida..."
"Se nós quisermos estudar a história de São Paulo, ela praticamente está escrita aqui na Serra do Mar, em momentos decisivos: a fase da evangelização, logo ao primeiro século de colonização, depois a época em que os tropeiros pediram um caminho melhor, e finalmente, a época de D. Pedro II, quando se podia subir com carros de tração animal." (Depoimento de Benedito Lima de Toledo Professor Arquitetura e Urbanismo - FAU).
No topo da serra, grande foi a sua surpresa. Encontrou ali um povoado de mamelucos, chamado posteriormente de Santo André da Borda do Campo. O chefe desse povoado era um homem ardiloso, que se insinuou a princípio como aliado e depois acabou criando dificuldades para os jesuítas: João Ramalho, um ex-náufrago português, casado com Bartira, filha do cacique Tibiriçá, caçava índios para vendê-los como escravos. O objetivo dos jesuítas, porém, era chegar à aldeia indígena de Tibiriçá, no vale do Anhangabaú.
Cumprido o objetivo, trataram de se instalar e fundar o Colégio, o que não ocorreu sem sangue. Logo no primeiro ano, o povoado sofreu violento ataque de tribos que resistiam ao contato com portugueses. Em compensação, os tupis do campo mostravam-se amigáveis e dispostos à evangelização.
O sino da igreja ditava a rotina do povoado de Piratininga. Pela manhã curumins e índios adultos, atendiam aos chamados do sino para a Ave-Maria. Depois, as crianças passavam aos estudos e os adultos iam cuidar de seus afazeres. No final da tarde, o sino chamava para mais uma aula de religião. E, ao cair da noite, guiados pelos jesuítas, curumins e pequenos mamelucos saíam em procissão, da porta da igreja até a cruz.

Tamoios X Portugueses
O padre Manuel da Nóbrega, sabedor da facilidade de Anchieta em aprender línguas, de se comunicar com os índios e da sua resistência física, não hesitou, no ano de 1563, em levá-lo junto para as negociações de paz entre os índios tamoios e os colonos portugueses da região de Ubatuba. Oito anos antes, os franceses protestantes calvinistas tinham se estabelecido na Baía da Guanabara, onde logo se aliaram aos tamoios contra os tupis e os portugueses. Várias tentativas de expulsar os invasores tinham resultado num impasse, com os dois lados combatendo o tempo todo. Os indígenas de Iperoig - hoje Ubatuba - também foram convencidos a se aliar a seus irmãos da Guanabara, formando a Confederação dos Tamoios. O governador Mem de Sá encarregara Nóbrega de tentar fazer os tamoios de Ubatuba desistirem dessa aliança.
Os tamoios estavam em duas aldeias: uma na praia, chefiada pelo cacique Cunhambebe, e outra no alto do monte, sob o comando do cacique Pindobuçu.
Anchieta entrou nas aldeias falando em voz alta, como era costume dos índios, em perfeito tupi. Em pouco tempo ele e Nóbrega puderam construir um pequeno altar na cabana que os abrigava. Auxiliado por Anchieta, Nóbrega passou a rezar a missa diariamente. Os índios, movidos pela curiosidade e atraídos pelas cores dos paramentos, passaram a assistir às missas. Anchieta começou a fazer pregações em tupi, abrindo o caminho para evangelizar a tribo.
Com Anchieta como intérprete, Nóbrega tratava da paz e ficou sabendo que os tamoios também queriam a paz. Estavam cansados de perseguir e matar portugueses, mas nada tinham a reclamar dos franceses da Guanabara, que lhes davam armas, ferramentas e roupas. O único obstáculo à paz eram os tupis, inimigos dos tamoios e aliados dos portugueses.
A cordialidade dos tamoios mal disfarçava a sensação contínua de perigo iminente. Nóbrega e Anchieta ficaram isolados do mundo: os navios em que tinham vindo estavam na Guanabara, onde também se tentava um acordo. E permaneciam sob constante ameaça dos índios mais exaltados, irritados com o simples fato de a tribo ter recebido os dois jesuítas amigos dos portugueses.
Logo Anchieta ficou inteiramente só. Nóbrega voltou a São Vicente para finalizar o tratado de paz. Passava horas em meditação caminhando pela praia. Começou, então, a compor e a decorar os versos de um longo poema dedicado à Virgem Maria. Terminado o cativeiro, escreveu de memória o poema inteiro.

"Eis os versos que outrora,
ó Mãe Santíssima,
Te prometi em voto,
Enquanto entre tamoios conjurados,
Pobre refém,
tratava as suspiradas pazes,
tua graça me acolheu em teu materno manto
E teu poder me protege intatos corpo e alma."
(Trecho do Poema da Bem AventuradaVirgem Maria Mãe de Deus - Padre José de Anchieta").

Por fim a paz foi acertada.
Depois de cinco meses como refém, Anchieta partiu com uma ponta de tristeza: sentia deixar desamparadas as almas que estava conquistando para Cristo. Os índios também não esconderam sua melancolia pela partida do pajé branco que falava com Deus, lhes ensinava a doutrina cristã e tratava de suas doenças.
No mesmo ano de 1563, o perigo da morte, com a qual Anchieta convivera diariamente em Ubatuba, voltou a ameaçar o jesuíta e os índios do Planalto de Piratininga: em sua volta o esperava a epidemia de varíola, espalhada pelos europeus, que mataria trinta mil índios em toda a costa brasileira. Os férteis campos de Piratininga logo se transformaram num vasto hospital a céu aberto.
Nessa ocasião, Anchieta valeu-se do conhecimento das ervas nativas que tinha desenvolvido. Nos casos mais graves, recorria aos sangramentos - em média de dez por dia -, que apavoravam os índios, já bastante assustados pela doença que nunca tinham visto.

São Sebatião do Rio de Janeiro
Debelada a epidemia de varíola, a ameaça dos tamoios fez Nóbrega chamar de novo Anchieta. Desta vez tinham de ir à Guanabara, ajudar na fundação de um forte e uma cidade para fazer frente aos franceses apoiados pelos tamoios. O governador Mem de Sá incumbiu da tarefa seu sobrinho Estácio de Sá, que, para povoar o vilarejo, chamou gente de outras capitanias e até de Portugal.
Mesmo com a resistência do inimigo, o povoado, que recebeu o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro, começou a se tornar realidade em janeiro de 1565.
Ali os portugueses, depois de muita luta, expulsaram os franceses e derrotaram definitivamente os tamoios em janeiro de 1567. Durante esses dois anos, Anchieta serviu como mensageiro, levando notícias dos acontecimentos do Rio a Mem de Sá, na Bahia. Ainda em 1566, numa dessas idas e vindas, o irmão José finalmente realizou na Bahia, aos trinta anos, o sonho de se tornar sacerdote, pelas mãos de Dom Pedro Leito, bispo do Brasil, que fora seu colega de estudos em Coimbra.

Obra de Fé

O trabalho de Anchieta foi decisivo para a implantação do catolicismo no Brasil. Com seu conhecimento e sua fé, percorreu a pé, a cavalo, em embarcações, boa parte do território brasileiro. Além de abrir caminhos que se transformariam em estradas, contribuiu para manter unificado o país nos séculos seguintes. Lançou os fundamentos da catequese e educação dos jesuítas no Brasil e começou a reverter o quadro iniciado desde o descobrimento, em que os nativos eram vistos apenas como propriedade da Coroa e, como tal, passíveis de ser escravizados.

Oratório do Beato Anchieta
Em 25 de janeiro de 2002, foi inaugurado, nas dependências da Igreja, um oratório dedicado ao Beato José de Anchieta, cuja canonização está em andamento. O Pe. José de Anchieta teve papel destacado não somente na fundação do colégio que deu origem à cidade de São Paulo, mas também por seu envolvimento total com a evangelização dos indígenas e com sua cultura, razão pela qual é considerado o Apóstolo do Brasil. O oratório abriga duas relíquias significativas do Beato José de Anchieta: parte de um fêmur do jesuíta, além do manto largamente utilizado em suas incessantes jornadas catequéticas. Ainda no oratório, encontra-se uma cópia da certidão de batismo de Anchieta e uma imagem de Nossa Senhora da Candelária, padroeira das Ilhas Canárias, local de nascimento do Beato.

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